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quarta-feira, 21 de novembro de 2007

CRISÁLIDA


Lembro-me vagamente, do tempo que eu era lagarta...

Presa aquele casulo translúcido.

Era tudo tão irreal.

Estava ainda em formação, e já podia vislumbrar as flores ao meu redor.

O mundo colorido e cheio de aromas estonteantes que eu não podia tocar, por ainda ser uma simples, mera e feia lagarta.

Quanto tempo demorou esta metamorfose, não posso precisar, mais foi um tempo infinito, até que eu tomasse posse das asas que possuía, e resolvesse romper aquela cortina de seda protetora... E finalmente voar.

Ver do alto as maravilhas que por tanto tempo apenas pude vislumbrar através do véu pálido de minha crisálida.

Uma grande e bela borboleta azul eu me tornei, e por sobre os jardins coloridos e cheirosos, eu viajei por um tempo infinito, polinizando de amor aquele mundo colorido.

No princípio as cores me fascinavam, os aromas me embriagavam...

Minhas jovens asas ainda cheias de forças me levavam aos lugares que nunca vi, sentia-me invencível, quase intocável...

Voei por tanto tempo que não me lembro mais de quantas vezes precisei parar em uma daquelas flores, e beber a água que o orvalho das frias manhãs depositava em suas pétalas, apenas para saciar o cansaço da viagem.

Voei por tempo demais, e aos poucos fui percebendo, que entre aquelas flores lindas e coloridas, havia predadores mortais e muitas armadilhas para uma bela e frágil borboleta azul...

Havia outras borboletas, tão belas e coloridas como eu... Porém mais astutas.

Sabiam fugir, sabiam enganar, sabiam sobreviver, não eram tolas, não acreditavam no brilho do espelho achando ser um diamante.

Eu as observava, e tentava ser como elas, astutas...

Aos poucos, o mundo não era mais tão colorido como eu o via de dentro de minha crisálida.

E o tempo foi passando, e minhas asas que outrora tinham o brilho da juventude, foram ficando opacas e desgastadas. Não gostava mais do que enxergava tanta injustiça e tristeza, tanta doença sem cuidado, crianças sem carinho...

Voei por tantos jardins, buscando novos aromas, que sequer me apercebi que também a linda borboleta azul tem o seu tempo de vida...

Ficou de repente tudo sem cor, sem cheiro, e eu nada podia fazer. Preparei-me para ser uma linda borboleta azul, que levaria o pólen da vida pelos campos floridos, e cheirosos...

Mas em meio aos vôos, senti o cheiro do sangue dos inocentes, o aroma da ganância dos imponentes, a carniça dos políticos inconseqüentes...

O verde das florestas transformou-se em uma densa nuvem negra que o fogo da ignorância insistia em devastar. Cansei-me de voar.

Voltei a minha antiga casa, para ser novamente lagarta... E de dentro do meu casulo através da cortina de seda, já não vejo mais a beleza que outrora havia nos campos onde Deus semeou a paz.

Pego os pincéis e tento colorir o pequeno mundo que restou dentro de minha crisálida.

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