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sexta-feira, 7 de março de 2008

SOMOS TODAS IGUAIS


Maria pula da cama acreditando ter perdido a hora, são cinco e quinze da manhã, vai se atrasar. Joga para o lado o lençol amarrotado e cheio de pequenos furos que as traças fizeram ao longo dos anos. Tateia com os pés o chão úmido e frio de seu barraco, em busca de suas havaianas puídas. Agradece a Deus por se levantar ainda andando daquele colchão desgastado. Sonolenta, lava o rosto na bacia em cima da mesa no canto do único cômodo de sua humilde casa. Já de olhos bem abertos se depara com o presente que é deixado diariamente num mesmo canto, uma pilha enorme de roupas sujas de seus quatro filhos, que ela ainda precisa lavar antes de sair para o trabalho. O marido, a muito partiu, levado pelo peso da responsabilidade que a cachaça não o ajudou a assumir. Cantarolando um hino religioso, vai para o tanque levando a trouxa de roupas e torcendo para não acabar a última pedra do sabão feito com a sobra do óleo da cozinha da patroa.

Prepara primeiro o almoço e depois o café da manhã. Estica a cama, põe a mesa, acorda os meninos, e com uma alegria natural de quem é mulher, desce a ladeira lamacenta em direção à cidade.

Já passa das dez da manhã quando Ângela se estica sonolenta nos lençóis macios de cetim cor de creme, coloca um pé após o outro nas delicadas pantufas que estão sobre o tapete persa que ela trouxe na última viagem ao oriente.

Em cima da mesa perto da janela, um ramalhete de flores, a tradicional caixinha preta aveludada com alguma jóia cara dentro e um bilhete rápido e curto do marido dedicado e apressado que diz: “Parabéns pelo dia das mulheres”. Ela se encaminha ao banheiro, passando pelo closet já com a preocupação do que vestir naquele dia.

Ao toque da campainha, Maria já com o café da manhã na bandeja entra com o mesmo sorriso tranqüilo e cumprimenta a patroa que embrulhada em um fino penhoar de seda cor de rosa reclama do dia quente.

Com um gesto automático entrega-lhe as flores, para serem colocadas no vaso cinza de murano que esta no aparador do hall de entrada.

Pergunta preocupada pelos filhos e, abre sem interesse o presente deixado pelo marido que ela provavelmente só tornará a ver altas horas da noite, visto que sábado é dia do golfe com os amigos.

Faz as reclamações e confidências diárias, que não confiaria a mais ninguém, e Maria escuta devotada olhando agora não a patroa, mas a mulher que como ela sofre todos os males que uma alma feminina pode sofrer. Ouve, acalanta e aconselha, depois volta para a cozinha cantarolando seu hino e feliz por ser sábado, pois amanhã domingo ela pode fazer uma boa faxina em seu barraco, depois da igreja.

O que une estas mulheres tão diferentes e ao mesmo tempo tão iguais é o que me encanta quando analiso o dia a dia de muitas delas, Marias, Joanas, Terezas, somos todas exatamente iguais não importa a raça, credo ou a condição social. Temos todas a mesma força e coragem que somente a nós foi destinada, sofremos, choramos, e enfrentamos um problema até encontrar solução. Somos mães, às vezes pais, donas de casa, profissionais, amigas, esposas, companheiras, amantes.

A jornada de trabalho de uma mulher, por vezes descrita em documentários só parece exaustiva quando assistimos pela TV, só então me dou conta de que realmente fazemos tudo aquilo em um espaço de tempo tão limitado, e ainda nos preocupamos com a unha quebrada, o cabelo por pintar, os quilinhos para perder, achamos tempo para ler poemas, jornal, receita da Ana Maria Braga e corrigir o dever de casa das crianças.

Quando todos se deitam, andamos pela casa recolhendo copos, pratos, papéis e alimentando os animais. Velamos acordadas pelo sono de nossos filhos quando enfermos, e ainda encontramos força para atenuar a dor e o sofrimento dos mais fracos. E NOS DEDICAM NO ANO APENAS UM DIA.

Que seja, é hoje este dia, que todas sejam lembradas, sem que haja discriminação.

Estadistas, diaristas, operárias, executivas, costureiras ou colunistas.

Todas sem exceção.

Da mãe dedicada à funcionária padrão

Que nos escrevam poemas, que nos dediquem uma canção.

Parabéns a nós, por sermos todas maravilhosamente tão iguais.

5 Comentários:

  • Amiga sócia...
    Vim o mais rápido possível...
    Fiquei sonhando com a Maria.
    Imaginei a cena do presente.
    Imaginei a força dessa mulher.
    Só havaina que suporta.

    Enfim....
    Seu papel amiga, é delirar nossa
    alma.
    Obrigada pelo belo conto.
    Parabéns pelo seu dia como cronista.
    Beijos.

    Por Blogger Ana Maria, às 7 de março de 2008 às 17:56  

  • OI amiga esta tudo cêrto o que você escreveu não tem patroa, não tem aempregada ,não tem profissaão que mude isto somos todas iguais com as mesmas alegrias e os mesmos problemas, não importa o cargo que temos no fundo somos todas iguais ...mulher.

    cidinha

    Por Blogger Aparecida Canazzaro, às 7 de março de 2008 às 18:00  

  • Cristiane!
    Só mesmo uma pessoa com sua alma para descrever tão bem a alma feminina.
    Que bom, que somos todas iguais!
    apesar das diferenças que a sociedade estabelece,no fundo somos mesmo todas iguais,pois o que nos faz ser iguais é o amor!
    Vc. é linda...parabéns...obrigada pelo maravilhoso texto.Sinto-me feliz por ser sua amiga!

    Beijos.

    Dolores Jardim

    Por Blogger Dolores Jardim, às 7 de março de 2008 às 18:50  

  • Iguais, maravilhosamente iguais!!E tantas não se apercebem disso! Lindo Cris!!

    Por Blogger Maria Ercília, às 10 de março de 2008 às 11:02  

  • "Mas uma mulher nesta terra tem de estar preparada para o pior. Os homens não têm juízo, vivem nessas folias de guerras. Que é que a gente vai fazer senão ter paciência, esperar, cuidar da casa, dos filhos... Os homens dependem de nós. Como dizia a velha Bibiana, quem decide as guerras não são eles, somos nós. Um dia eles voltam e tudo vai depender do que encontrarem. Não se esqueça. Nós também estamos na guerra. E ninguém passar por uma guerra em branca nuvem". Curiosamente eu estava lendo esse trecho do 1° tomo do Arquipélogo antes de ler sua coluna...
    Só resta dar os parabéns a todas as mulheres durante todos os dias do ano! Vocês são as verdadeiras guerreiras, e, como diz o David Coimbra, "inventaram" a civilização para tentar "domesticar" o homem. Já eu diria que só a mulher tem a capacidade de despertar o que há de melhor em um homem, desde inspiração até ir às guerras citadas pela Maria Valéria de O tempo e o Vento.

    Por Blogger Eduardo, às 19 de março de 2008 às 20:11  

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