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terça-feira, 22 de janeiro de 2008

MINHA ESTANTE


Passei uma vida lendo e aprendendo com a literatura, meus pais sempre nos ensinaram que podíamos tudo dentro de nossa imaginação quando líamos um livro. Poderíamos ser fadas, rainha, iria a países distantes e seríamos sábios.

Um dia olhando as prateleiras de meu pai, vi o retrato de minha vida, em uma estante abafada e cheia de velhos livros, os mesmos que me levaram a todos os cantos do meu universo, agora cheiravam a mofo.

Porém dentro deles, ainda viviam os antigos valores que aprendi a respeitar, e que hoje admito ter perdido alguns ao longo da trajetória de minha história.

Lá estavam meio corroídos pelas traças, as minhas recordações de criança, as fábulas que me encantava as lendas por onde tantas vezes fui aquela princesa resgatada.

História de religiosos, mártires e de déspotas que me fizeram vislumbrar as desigualdades, continua viva nas prateleiras de madeira velha.

Pego os pincéis e com eles remendo os erros das antigas lendas, porque hoje sei que elas não passam dos sonhos de uma mente brilhante, que as fadas somente permanecerão vivas em minhas lembranças.

Traço as ruas da cidade onde por tantas vezes fiquei esperando o menino que passava em sua bicicleta, e com o cantinho do olho me espiava sentada em baixo do pé de Ipê amarelo com um livro nas mãos e a cabeça nas nuvens.

Lia “cinco semanas em um balão” de Julio Verne, e viajava com ele pela África, desde aquele dia até hoje tenho uma imensa vontade de voar em um balão, mas a coragem já não é a mesma que naqueles dias floridos de primavera.

Então meus pincéis me libertam do medo e me levam as alturas rompendo com qualquer pensamento de um adulto e me fazendo rir de prazer com o vento batendo em meu rosto, e com o firme propósito de descobrir a nascente do rio Nilo.

Mais amarelado do que rosado estava meu porquinho de economias, completamente vazio e bastante danificado, escondido entre os velhos manuscritos de minha avó que escreveu a mão todo um dicionário sobre a fauna e a flora brasileira, os grossos volumes de cadernos encapados com saquinhos plásticos de leite para que o tempo não destruísse.

Coloquei o guardião de meus sonhos de riqueza na minha estante, mas sei que meu pai não colocará mais moedinhas nele como fazia, e nem eu tenho mais sonhos de grandeza, meus valores se transformaram na simplicidade e singeleza que existiam naqueles bons tempos, e que se perderam na selva dos gananciosos.

Que encanto poder tecer toalhinhas de crochê iguais as que vovó fazia, com aquela perfeição de seus dedinhos brancos como a linha.

Deito os pincéis sobre a mesa e suja das cores de minhas lembranças, olho admirada o armário de meu pai, que guarda tesouros invioláveis.

Agora não passo de um espectador olhando a estante cheia das preciosidades de minha memória, satisfeita assino meu nome aos pés da fada verde que me acompanhou durante anos em minhas aventuras proibidas, que voava comigo no balão, e jogava pó mágico na hora de me acordar.

Um dia sentarei em frente a lareira acesa e com minhas agulhas de crochê correndo pelas mãos, contarei a meus netos todas as histórias que provavelmente eles não lerão, mas que guardo como uma jóia para que eles tenham a liberdade de sonhar com eu.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

PARQUE DE DIVERSÃO


Tive um sonho uma noite dessas, era uma noite escura e em algum lugar distante, luzes e uma suave melodia de flauta chamaram-me a atenção, fui perseguindo o aroma do algodão doce que penetrava minhas narinas, até avistar em meio a um deserto árido e quente, a magia de um parque de diversões.

Era tudo muito mágico, exatamente como em minhas recordações de menina, a musica saída de um antigo auto falante preso a um poste, que com sua lâmpada a gás, criava sombras fantasmagóricas no chão.

Porém aquele parque estava vazio, não se via crianças, nem o pipoqueiro com suas vestes brancas, tão pouco o palhaço com a matraca nas mãos chamando a atenção do público para o grande espetáculo da mulher barbada.

Estava tudo ali como sempre esteve, mas não havia mais alegria.

O carrossel com suas luzes vermelhas e cavalinhos dourados, que subiam e desciam lentamente ao som melancólico de uma valsa de Strauss.

Pareceu-me tudo menor do que eu acreditava ser, acho que é porque eu cresci e não cabia mais nos brinquedos.

Do trem fantasma ouvia-se um barulho assustador do velho carrinho a derrapar sobre trilhos enferrujados, desta vez não tive medo, já sabia que o que havia lá dentro era tudo de mentira. Também não achei nenhuma graça ao entrar na casa de espelhos, todas aquelas imagens distorcidas, também era mentira, eu já sabia realmente quem eu era.

Mais triste que a tristeza daquele parque vazio, foi a impressão que tive, de que na verdade quem perdeu a magia fui eu e não ele, todas as maravilhas que me alucinavam na infância, não passavam agora de uma vaga lembrança.

Que saudade da inocência de acreditar em toda aquela mágica.

Continuo a caminhar pelo parque, por entre as barracas de argolas e tiro ao alvo, paro diante da bilheteria e me espanto ao perceber que não tenho mais que ficar na ponta dos pés para comprar um bilhete, e lá dentro sentada em um banco alto, estava uma menina de uns oito anos, cabelos presos em longas tranças, e um sorriso inconfundível nos pequenos lábios entreabertos, aquele sorriso meigo e puro que somente os pequeninos possuem, me olha com seus olhinhos claros e límpidos, um olhar astuto de quem quer descobrir o mundo, e com um gesto lento que me era muito familiar, coloca o dedinho na boca pedindo silêncio, e diz em uma voz baixinha pra que eu não acordasse logo, porque ela não queria crescer.

Desperto com os olhos molhados e por um infinito momento fico deitada ouvindo a musica do realejo que ainda toca em meus ouvidos.
Sinto uma alegria quase infantil ao perceber que parte de mim ainda esta naquele parque, sentada no banquinho com longas tranças nos cabelos e teimando em continuar sendo feliz.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

ADEUS ANO VELHO


Já passam das onze da noite do dia 31 de dezembro de 2007, deu um bocado de trabalho fazer com a família compreendesse que eu não queria ir a nenhuma festa, não queria nenhum barulho nem bebidas que me deixariam completamente alienada como sempre fazemos nas passagens de ano. Eu queria apenas estar comigo, era muito importante, e acredito que por me conhecerem bem, não insistiram muito, me julgam um pouco estranha por minha natureza de artista. Menos mal, todos se foram em paz, para suas festas.

Entro no atelier e deixo poucas luzes acesas, a penumbra me relaxa, sento-me preguiçosamente em uma cadeira e pego minha caixinha chinesa comprada há muitos anos atrás, toda entalhada com aves do paraíso e com um cadeado dourado, lá dentro, um pedaço de minha vida. Em um lento ritual, abro o pequeno cofre e retiro de lá minha já amarelada lista de intenções, e me ponho a ler todas elas, serão 20 listas com a que farei este ano, vinte anos que escrevo nestes papéis, as minhas metas. Relendo desde a primeira, percebo que alguns dos itens até hoje permanecem inalterados, estes certamente continuarão na lista de 2008, e alguns deles passarão ainda por listas futuras, paciência, não se pode acelerar certos processos.

Relendo, divirto-me sozinha, quanta intenção banal teve nestes 20 anos, hoje me parecem tão sem importância. Continuo minha leitura, risco os itens já cumpridos, e adiciono os inalterados para a lista do ano que vem. Mudo algumas coisas, neste ano pretendo impor metas mais rígidas no que diz respeito a cuidar de minha pessoa, sinto que há anos tenho dedicado minhas energias aos meus amados e esquecendo-me de mim.

Risco algumas linhas, e reescrevo uma nova realidade que começara a vigorar daqui a exatos 1hora e quatro minutos.

Precisava estar só neste dia, queria agradecer a Deus todas as graças que ele operou em minha amada família, coitado, Deus trabalhou meio período diariamente por minha família este ano tenho certeza, pois não lhe dei um minuto de sossego, e Ele foi esplendido, Obrigada Pai amado por me atender.

Meu ano foi tão difícil quanto sublime, não poderia explicar, quase perdi uma filha, e pela obra divina, além de ganha-la de volta, me veio junto um neto maravilhoso... Só por Deus.

Tinha que estar só neste momento para agradecê-lo.

E depois, fiquei pensando em tantas diferenças que vi no mundo nesta única última semana do ano. Com pesar vi a notícia da morte de mais uma estadista no Paquistão, porém, mais me chocou o fato de que com ela morreram outras vinte pessoas, e ninguém dedicou a elas, um único momento do pensamento, seres humanos inocentes que perderam a vida... Fiquei desanimada, comemorar o que? Esta aceitação a tanta desgraça me deprime. Hoje ainda ao meio do dia em meu portão, um homem jovem e saudável pedia trabalho por um prato de comida, que eu dei claro, um trabalho em meu jardim para que ele não se sentisse humilhado com a refeição que receberia, e pensei comemorar o que? Melhor ficar quieta e refletir.

2007 foi apenas mais um ano, e hoje é apenas mais um dia, penso que desejar milhões de boas venturas apenas um dia do ano não tem valia, isso tem que ser diário, e não em palavras, mas em atitudes.

Ouço ou rojões que explodem lá fora, e não compreendo o porquê de tanta comemoração, amanhã certamente o homem que buscou alimento em minha porta, continuará pedindo o que comer em outras residências, pois todos os maravilhosos e caros fogos que enfeitaram os céus nesta noite, não garantirão o seu sustento no ano que se inicia. Assim, 2008 só poderá ser um bom ano, se eu puder fazer alguma coisa para que pessoas como ele, possam ter um prato de comida em sua própria casa, e possa comemorar com fogos, a Ben ventura de 2009.

FELIZ ANO NOVO.