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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A ENVELHESCÊNCIA


Fã de Mario Prata que sou, certo dia li uma crônica dele cujo título era: “você é um envelhecente”?

Achei o máximo na época porque me sentia distante demais da tal envelhescencia.

Ele assim classificava o estágio entre a maturidade e a velhice, que seria dos 45 até os 60 anos, assim como a adolescência existe entre a infância e a maturidade.

Hoje já noto aqueles detalhes ao qual ele se referia, e acredito realmente que existem mudanças imensas no ser humano quando ele se encaminha para a velhice, que hoje eles gentilmente chamam de “melhor idade”, não sei para quem esta é a melhor idade.

Acho que intelectualmente é uma maravilha, pois alcançamos o ápice de nossos conhecimentos, e podemos ver nossos erros passados com clareza, aceita-los e etc., mas e daí não dá mais tempo de corrigir muita coisa, então o negócio é relaxar e aceitar.

Percebo a entrada na envelhescência quando começo a trabalhar pela manhã, há alguns anos atrás era tudo bastante simples, eu apenas pegava o material, e tudo ia surgindo diante dos meus olhos com naturalidade, hoje, tenho que primeiro rastrear o ateliê para encontrar todos os meus óculos que estão perdidos no meio daquela bagunça natural dos artistas. Sim pois, se antigamente usava um grauzinho apenas para leitura, hoje tenho vários óculos, um para cada função, de longe, de perto, para o computador, para dirigir, sem falar na lupa para pintar, e veja que com todo este aparato ótico, uma noite dessas acabei por dar uma chinelada em uma presilha de cabelo achando que fosse uma barata, mais do que claro, é um sinal de que caminho a passos largos para a velhice.

Sem falar é claro daquela agilidade maravilhosa que eu tinha há uns anos atrás, se estava pintando e algo estava distante, e sempre estava, era com uma facilidade inesquecível que eu me virava para apanhar o objeto, atualmente se fizer a mesma proeza provavelmente minha coluna dará um nó que levarei dias sentindo as pontadas, tenho que seguir o manual do envelhescente.

1º - Pensar no que quero pegar.

2º - Visualizar o objeto e calcular a distância e o grau de curvatura necessário, para alcançá-lo.

3º - Virar-me calmamente pensando nos músculos que necessitarei movimentar e finalmente apanha-lo.

Resumo da ópera, nesse processo todo já se passou uns quinze minutos, por isso acho que produzo tão menos do que antigamente, não é falta de criatividade, é falta de agilidade mesmo.

Mas com o que mais me divirto, é observar alguns de alguns amigos contemporâneos, o homem é claro chegando à envelhescencia, eles acabam por confundi-la com a adolescência, vivem de olho grande nas meninas novinhas, que hoje são as namoradas dos seus filhos, usam roupas ousadas, pintam os cabelos, comprarem uma moto grandona e freqüentam baladas.

Mas com todos estes percalços, ainda assim acho muito bom ser uma envelhescente, curtir meus netos, não ter medo de mencionar a idade, não sentir culpa algum ao dizer não a uma série de coisas, poder relaxar de verdade, sem ter a preocupação doentia de cuidar demasiadamente da imagem externa, podendo sim ter todo tempo do mundo para cuidar do meu interior, tomar posse verdadeiramente de quem eu sou, do que sou capaz e de minhas limitações. Aceitar que estar envelhecendo não é uma doença, mas uma dádiva, que é chegado o momento de ensinar aos outros tudo o que aprendi com meus erros.


Crônica de Mario Prata “Você é um envelhescente?”

http://www.marioprataonline.com.br/obra/cronicas/voce_e_um_envelhescente.htm

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

NARCISO


Conta a lenda que um belo rapaz tão fascinado por sua beleza, diariamente contemplava-se num lago. Entorpecido por si mesmo, um dia caiu dentro do lago e morreu afogado. No lugar aonde caiu, nasceu uma flor, que chamaram de narciso.

Quando Narciso morreu, vieram as Oreiades, deusas dos bosques que viviam a perseguir Narciso para ter dele um único olhar e viram que o lago de água doce se havia transformado num cântaro de lágrimas salgadas. Perguntaram ao lago porque ele chorava, pois afinal somente ele tinha o privilégio de contemplar diariamente a beleza de Narciso.

O lago lhes pergunta: Mas Narciso era belo? Ficou pensativo uns momentos e respondeu: “Eu choro por Narciso porque, todas as vezes que ele se deitava sobre minhas margens eu podia ver, no fundo dos seus olhos minha própria beleza refletida.”

Apesar de Freud acreditar que o narcisismo constitui uma parte de todo ser humano desde o nascimento, o excesso dele acredito eu, dificulta uma pessoa a ter uma vida feliz. Julgam-se grandiosos e possuem uma necessidade excessiva de admiração e aprovação.

Isso não é nenhuma aula de mitologia ou psicologia, mas uma simples constatação de como existem pessoas assim excessivamente narcisistas ao nosso redor. Todas as coisas na vida para serem perfeitas, necessitam equilíbrio e ponderação. Quando somos jovens, em nosso dicionário não consta tais definições ou palavras, e nos sentimos praticamente deuses, é somente já mais maduros que iremos perceber quanta diferença existe entre amor próprio e obsessão.

Sinto no mundo uma falta imensa de amor entre as pessoas, amor puro, simples, desinteressado, fraternal. O que vejo são sentimentos obsessivos e desordenados, uma luta desenfreada por projeção pessoal e ascensão social

Uma corrida aonde não se olha em cima de quem se pisa. Isso não é narcisismo em potencial?

Por vezes sinto-me diferente e distanciada da maioria, por ser tão questionada sobre minhas atitudes em relação ao meu próximo. Pior do que ver que as pessoas se tornarem ruins, é ver que sua maneira de ser é confundida com algum desses sentimentos mesquinhos que povoam nosso planeta.

Entendo porque ele esta morrendo, nascem muito mais narcisos que rosas em nossos bosques atualmente, aliás, bosques devastados pelas mãos daqueles que tanto correm por seu lugar ao sol, e não percebem que este mesmo sol que os ilumina, em breve será sua própria destruição.

O planeta esta morrendo, eu estou morrendo, minhas crenças estão morrendo. Minha luta é preservar o máximo de mim como exemplo a meus filhos e netos, e rezar muito para que eles possam encontrar em seus caminhos, outras pessoas que tiveram a mesma herança que espero poder deixar-lhes, a virtude de poder amar e respeitar cada pessoa que entrar em suas vidas, sabendo compreender, ajudar e perdoar. Coisas simples que se afogaram nas lágrimas daquele lago tão narcisista como o próprio Narciso.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

CARNAVAL E CINZAS



Quanto Riso, quanta alegria, mais de mil palhaços no salão.

Arlequim esta chorando pelo amor da colombina,

No meio da multidão...

Quem não se lembra da velha marchinha de carnaval de Zé Kéti, Máscara Negra composta em 1967, tão cantada nos antigos bailes de carnaval.

O que restou de todo aquele riso, toda aquela alegria nos carnavais de hoje, é o que me pergunto.

Existia uma magia quase palpável, quando a cadência do ritmo diminuía e desacelerava os foliões, fazendo com que com os olhos procurássemos no salão aquele arlequim abandonado.

As fantasias que vestiam nosso corpo e nos transformava em personagens, se foram hoje ao contrário de alguns anos atrás, as fantasias são despidas, como se, em um corpo praticamente nu houvesse alguma magia, nada mais se esconde sobre os véus transparentes das odaliscas.

Os mil palhaços se tornaram umas poucas dezenas, e os salões ficaram vazios, neles apenas se ouve o pranto do velho arlequim em busca de sua colombina que provavelmente hoje veste o abadá de algum bloco carnavalesco e brinca espremida em meio a milhares de foliões, nas ruas de Salvador.

É meus amigos, as coisas mudaram nada da velha magia, nada de belas fantasias, apenas muita disposição e energia para gastar nos quatro dias subindo e descendo ladeiras atrás dos trios elétricos.

Hoje temos o grande espetáculo das escolas de samba, que atualmente mais do que samba no pé, disputam um título, aonde o que manda é a tecnologia e os grandes efeitos visuais, quem diria ver no sambódromo foliões esquiando em uma pista de gelo.

Aquele pierrô apaixonado que vivia só cantando, provavelmente ao ver o quanto se gasta com a indústria do carnaval, acabou chorando... Acabou chorando.

O grande circo da alegria por pouco não se torna o circo dos horrores, quem acreditaria que um carnavalesco usaria o holocausto no “maior espetáculo da terra”.

Nada mais da pura e simples alegria que tantos poetas escreveram em guardanapos de papel, para depois fazer daqueles rabiscos um belo samba-enredo cheio de lirismo.

O confete, a serpentina, o cheiro de lança perfume no ar, tudo isso ficou esquecido naqueles grandes e velhos salões dos clubes de nossas cidades do interior.

O ritmo é outro, as fantasias são outras, as pessoas também são outras, mais preocupadas em extravasar suas angústias e tensões nestes poucos dias, do que entrar no personagem daquele velho espetáculo e sentir a magia do tempo.

A mesma máscara negra que esconde o seu rosto, eu quero matar as saudades.

Vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval...

A inocência do beijo roubado era a máxima que se podia esperar naquelas noites de folia, hoje nossos filhos chegam em casa com dezenas de preservativos que são entregues aos montes em campanhas pré carnavalescas, como se fazer sexo nas noites de carnaval fosse uma obrigatoriedade. Loucura.

Não há fênix que consiga renascer destas cinzas que neste ano quase se misturou as cinzas dos fornos de Auschwitz.

Mas não me leve a mal... Hoje é carnaval...