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quarta-feira, 28 de maio de 2008

VENCEDORES E VENCIDOS


Pedro e Ana se conheceram em uma lanchonete, aonde ela trabalhava como auxiliar na cozinha, moça simples de modos comportados, desde menina já trabalhava para ajudar a suster a família.

Pedro um rapaz bonito e ambicioso, porém sem condições de realizar seus sonhos, trabalhava como pedreiro ajudando o pai, mestre de obras.

Da simplicidade de um encontro aos poucos nasceu o amor entre eles, lindo de se ver, e mesmo diante das dificuldades do dia a dia, casaram-se e juntos foram conquistar o mundo.

Pedro um sonhador, Ana uma batalhadora, eram uma dupla perfeita, ele planejava e ela executava as tarefas, mas existia uma sincronia perfeita. Ele um empreendedor por natureza, logo vislumbrou a possibilidade de crescerem trabalhando com alimentos, coisa que ela entendia e fazia como ninguém.

Deste modo, começou a jornada rumo ao sucesso.

Primeiro os salgadinhos que ela preparava até altas horas, e muito cedo com a barriga já crescida pela chegada do primeiro filho, fritava seus quitutes, que Pedro muito sabiamente dava a um grupo de pequenos meninos para vender, afinal ele era o administrador.

Com a habilidade de Ana e a esperteza de Pedro, em pouco tempo eles já tinham um carrinho de lanches na praça principal, e um segundo filho na fila de espera.

Em pouco mais de sete anos eles abrem sua primeira lanchonete, e dali para o primeiro restaurante foi um pulo.

Os negócios começam a crescer, Pedro nesta altura já terminando uma faculdade de administração de empresas, e Ana carregando já sua terceira criança no ventre, continua na cozinha a dar o sangue junto com suas maravilhosas receitas.

Um pouco antes do 15º aniversário de casamento, eles inauguram um restaurante fino na área nobre da cidade. Sucesso total, a casa que vive cheia, traz pessoas famosas e importantes, Pedro se sente realizado e pronto para expandir os negócios. Ana se sente cansada de ter que comandar uma grande equipe em sua moderna cozinha, que mesmo tendo um renomado chefe no comando, ainda passa por seu crivo.

Ele vai ficando mais maduro e mais elegante, usa roupas caras e relógio de ouro, anda de carro importado e tem muitos compromissos.

Ela já quase não vê os quatro filhos crescerem dentro deste turbilhão, os meninos estão estudando em boas escolas, e freqüentando bons ambientes, mas ela se sente envelhecida com a pele queimada e enrugada pelos anos em frente à quentura dos fogões.

Já quase não se encontram, um se deita quando o outro se levanta.

Mas conseguiram o sucesso tão sonhado, venceram.

Pedro se sente um vencedor, mas tem vergonha de sua companheira, e aos poucos acaba se envolvendo com outras mulheres mais jovens e mais interessantes que a sua.

Ana nunca teve tempo de aproveitar os frutos de seu suor, que foi a alma do sucesso.

E eu pergunto? Quem é o vencedor e quem é o vencido?

Aquele brilho nos olhos dela desaparece com os primeiros telefonemas anônimos, e toda a sua energia foi-se como por encanto.

Ela se entrega ao desânimo e a lamentação, sente saudades dos tempos que juntos dividiam um prato de comida.

Ele ganhou fama e riqueza, mas perdeu a essência, passou a ser apenas mais um homem bem sucedido e não percebe que deixou passar o tempo mais precioso de sua vida, correndo atrás das ambições.

Ninguém vence um jogo se não souber as regras.

Muitas vezes o que acreditamos ser sucesso, se torna nossa derrota.

Quantos de nós dedicamos toda uma vida buscando projeção, e esquecemos das coisinhas mais simples que estavam tão perto.

Quantos erros se cometem até descobrir que os verdadeiros vencedores, são aqueles que jamais se sentem vencidos.

Os que se contentam com a simplicidade de um gesto de carinho toda manhã, aqueles que conseguem ver o mesmo brilho nos olhos do companheiro, mesmo o tempo já tendo levado toda a juventude embora.

Quem venceu?

sexta-feira, 16 de maio de 2008

CHEGA DE TV


É uma coisa inacreditável como a modernidade estraga o meu humor.

Levanto bem cedo, antes de o marido ligar o noticiário, para não ter que abrir os olhos vendo as barbáries do dia anterior.

Depois de lavar o rosto de olhos fechados é claro, pra não piorar o humor, vou para a cozinha, é quinta feira dia da faxineira.

Mal entro e lá esta ela com o radio ligado ouvindo mais desgraça.

Respiro fundo, porque as boas auxiliares domésticas andam raras atualmente, tomo meu café e vou para o ateliê, pelo menos ali ainda não aconteceu nenhum terremoto, e nenhum furacão devastou meu telhado, ainda que pelo estado geral se dissesse o contrário.

Acendo um incenso para tirar o cheiro forte da tinta, e faço uma oração, relaxo a coluna numa espreguiçada comprida e vou para o computador, responder minhas mensagens e dar bom dia aos amigos.

Ativo o meu filtro e apago umas dezenas de e-mail mal intencionadas, respondo outros, apago umas correntes, detesto correntes, e por fim vou trabalhar.

Ou melhor, me divertir, sair deste mar negativo de noticias ruins e entrar em meu mundo colorido.

O esboço da florista no cavalete me fez sentir o perfume daquela profusão de flores coloridas, ao lado em outro cavalete esperando a secagem, esta uma oriental de roupa azul e sombrinha vermelha aos ombros, que passeia feliz pelo bosque de cerejeiras, eu estou lá caminhando com ela me sentindo a própria gueixa.

Aqui dentro existem florestas, índios, água, cachoeira, objetos diversos em estantes espalhadas, aos poucos todos tomam forma em meu pensamento, e vem me fazer companhia.

Nenhum destes personagens que saiu de minha cabeça sabe das coisas tristes que acontecem fora daqui, fora deste meu pequeno mundo.

A pequena bailarina se equilibra numa cordinha bamba, e se delicia com o movimento, um apito chama-me a atenção, é um pequeno trem saindo da estante das crianças e passando por sobre os meus pés.

Uma arara azul grita perto da estante de tintas, me preocupo com a sujeira que ela fará.

Levanto os olhos e deparo-me com uma sereia a cantar um melodioso e triste cântico, sob as ondas pontiagudas das praias de Parati.

O guerreiro no kuarup prepara a lança, espantado em meio à de tanta algazarra.

Ao longo de um dia aqui dentro passam por mim as quatro estações, sinto o frio do inverno, e ao mesmo tempo contemplo as cores do verão.

E nesta deliciosa desordem, vou trocando idéias com meus personagens e dando vida às flores sob o toldo da florista, e quando me dou conta, o dia se findou, aos poucos meus pequeninos voltam aos seus lugares e novamente se tornam personagens inanimados.

Tiro o avental sujo de tinta, limpo as mãos e pouso os pincéis sobre a mesa.

Assim que abro a porta do ateliê, uma rajada de vento frio invade meus ouvidos, e uma voz forte me grita:

_Corre, vem ver, já são quase 50.000 mortos na china...

Se minha visão fosse como antigamente, juro que daria meia volta e passaria a noite ali, pintado e me divertindo, quem sabe assim, diminuiria o ciclo vicioso de notícias ruins que a moderna e globalizada mídia nos traz.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

DIA DAS MÃES


“Mamãe, mamãe, mamãe
Eu te lembro o chinelo na mão
O avental todo sujo de ovo
Se eu pudesse, eu queria outra vez mamãe
Começar tudo, tudo de novo”.

Lembro-me que a musica era mais comprida, mas esta parte recordo-me bem, minha mãe não vivia com avental sujo de ovo, mas o chinelo na mão era de praxe para poder dominar as quatro crianças traquinas que rodeavam suas pernas o dia todo a pedir alguma atenção.

Lembro-me com tanta clareza de sua rotina exaustiva, desde o amanhecer até o beijo de boa noite, os banhos na grande bacia de alumínio, onde ela agachada esfregava com uma bucha trazida do sitio de minha avó, os pés vermelhos de terra da criançada.

O quintal de nossa casa se dividia com os vizinhos por uma cerca de madeira, aonde as comadres trocavam tomates e frutas que cresciam no quintal.

A vida tinha lá suas dificuldades certamente, mas como éramos felizes em nossos brinquedos primitivos, o tico-tico, o velocípede de lata, o balanço de pneu pendurado a arvore no meio do jardim.

Estas mães também tinham suas lutas e labutas, também rezavam diariamente aos anjos da guarda de seus filhos, também se preocupavam com o futuro deles, mas eram bem mais felizes do que muitas mães que hoje vemos estampadas nos noticiários, algumas a implorar socorro médico a um filho vítima da dengue, outra a chorar sobre o pequeno corpo de uma filha assassinada.

As mães da época da minha, tinham angústias diferentes das que eu tive como mãe, elas se preocupavam com o bem estar de seus filhos como todas nós, porém não tinham o fantasma das drogas a assombrar-lhes as noites como mães de minha geração tiveram. Não havia o medo de abusos sexuais com seus filhos como vemos nos dias de hoje, e tão pouco precisavam de psicólogos a orientar-lhes quanto à conduta educacional. Íamos sozinhos à escola, carregando nossos livros e pulando os ladrilhos da calçada. Não vejo mais crianças na rua indo à escola, as poucas que ainda perambulam desacompanhadas, provavelmente nem tem uma casa para voltar.

Então eu concluo que as mães de hoje são verdadeiras heroínas, tenho visto a maioria delas a se desdobrar entre os deveres da casa, e o trabalho fora dela, para ajudar a suster sua prole, e com o coração apertado continuam a rezar aos anjos, só que não apenas a pedir-lhes proteção à saúde, mas pedindo que os guarde das balas perdidas, dos assaltos, das drogas e das más companhias e de tantos outros males da vida moderna.

Que saudades de comer bolo de cenoura com chocolate na hora do café da tarde.

Hoje estas mães guerreiras assam o bolo na frieza da madrugada, antes de saírem de suas casas para mais um dia de trabalho, deixando aos anjos da guarda os apelos por proteção.

Parabeniza-las apenas um dia, seria injusto, merecem nossa admiração todos os segundos, todas elas, sem exceção, todas estas mulheres que se viram de repente diante de um quadro completamente diferente daquele em que foram criadas, elas continuam sujando seus aventais de ovo, e também de graxa, de tintas, de terra e tantas outras coisas.

“Se eu pudesse, eu queria outra vez mamãe, começar tudo, tudo de novo".